O glamour da elite do futebol mundial leva a crer que fama e fortuna são parte da rotina de todos os jogadores. Nada mais falso. Longe dos holofotes dos grandes centros, a absoluta maioria dos atletas luta para sobreviver e prosperar no meio. Daniel Passira, atacante do Centro Limoeirense, é o exemplo disso. Artilheiro da segunda divisão do Campeonato Pernambucano, ele se divide entre a bola e o trabalho na roça. Enquanto não está fazendo gols, trabalha em fazendas da zona rural de Passira, cidade do Agreste de Pernambuco. É entre as lavouras e as linhas do campo que Daniel sonha com o Olimpo da bola ao qual poucos têm acesso. Mas o grande desejo dele nem é tão ambicioso assim: é se firmar como jogador para dar vida melhor à família.
"Ficar rico, eu não sei. É muito difícil. Mas estou batalhando muito para viver do futebol e poder ajudar minha família. Minha mãe, que está aposentada, e meus irmãos. Todos eles conseguem viver, têm suas casas, mas eu queria dar uma condição melhor."
Daniel adotou o nome da cidade natal para se diferenciar — Foto: Rômulo Alcoforado
Daniel pode dar um passo inicial mas importante em direção ao objetivo nesta quarta e neste domingo, quando sua equipe enfrenta o Petrolina pela final da competição. Quem vencer, passa para a primeira divisão do futebol pernambucano. O atacante, com sete gols em nove jogos, é o artilheiro da A2 e principal nome do Centro, em cuja história quer escrever uma página.
- Essa conquista seria muito importante. Entrava na história. Para o clube e para a gente. Onde você for no meio do futebol pernambucano, o povo fala sobre essas conquistas e conhece os jogadores. Queira ou não queira, é algo importante pra gente e abre portas.
Para estar perto de abrir essa porta, no entanto, Daniel teve de ralar muito. Não só no campo de futebol. Nascido e criado no distrito de Bengalas, da cidade de Passira pela qual é conhecido, o atacante habituou-se desde cedo ao trabalho pesado na lavoura.
"Desde os oito anos que trabalho com isso. Faço tudo. Planto, colho, limpo "carreira de mato". Ainda hoje, quando estou de folga, vou lá no sítio ajudar minha mãe e minha família."
Quando está de folga do time, Daniel ainda trabalha nas plantações da região — Foto: Rômulo Alcoforado
Filho de uma filha de cinco irmãos, Daniel tanto trabalhava na pequena propriedade da família para agricultura de subsistência quanto para fazendas maiores, que lhe pagavam diárias de cerca de R$ 35. Conheceu todo o tipo de cultura: milho, alface, tomate e feijão.
Mas o que Daniel queria mesmo era outra coisa.
"Mãe não entende de bola. Eu e meus irmãos queríamos jogar, mas ela dizia que primeiro tínhamos que ajudar no trabalho para, só então, poder correr atrás de bola. Aqui no interior é assim. Já é uma cultura que eles pegaram dos pais deles e transmitem para a gente. Por isso, íamos bem cedinho, fazíamos o que tínhamos que fazer e estávamos livres para jogar futebol."
A trajetória no futebol foi acidentada. Destaque em peladas da região, foi chamado para jogar no Vitória de Santo Antão e no Central, nos quais atuou em categorias de base. Depois de três anos e nenhuma oportunidade no profissional da Patativa, Daniel desistiu. Tinha 19 anos, estava casado e precisava alimentar a primeira filha.
- Voltei para trabalhar no sítio, também trabalhei como garçom no Recife. Tinha desistido mesmo porque não via futuro. Não recebi nada no Central. Precisava dar de comer para minha família.
O destino pode ter virado, no entanto, neste ano. Como nunca deixou de bater peladas, com as quais ganhava dinheiro aos finais de semana e completava a renda de casa, Daniel foi chamado para jogar no Centro Limoeirense. Série A2 do Pernambucano.
Daniel sonha em dar uma vida melhor à família — Foto: Rômulo Alcoforado
Desta vez, a sorte sorriu. Chegou pouco conhecido, virou titular e hoje é artilheiro do time. Em boa fase, o atacante já marcou sete gols em nove jogos. É reponsável pela metade dos gols feitos da equipe. Está com moral com o treinador, João Alfredo.
- Daniel é um jogador que chama atenção. Vi ele atuando numa liga local aqui e chamei para jogar no Centro comigo. Ele é um atacante que tem uma qualidade de finalização nata e que se movimenta muito. Demos a oportunidade e ele está agarrando.
Um dos destaques da competição, Daniel vê a chance de mudar de vida. Deixar para trás o trabalho rural para, enfim, virar jogador profissional.
- Não escondo minhas raízes. Até já sofri brincadeiras por isso, por ser de sítio. Não tenho vergonha nenhuma. Estou batalhando pelo meu sonho.
Por Rômulo Alcoforado — Recife